Obesidade infantil e o bullying

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28 outubro 2019

“Crianças obesas são 63% mais suscetíveis a sofrerem bullying”, diz especialista no XXIII Congresso Brasileiro de Nutrologia da ABRAN


Os verbos apelidar, xingar, ofender, zoar, enganar, ignorar, intimidar, apertar, zoar, perseguir, gozar, assediar, beliscar, morder, aterrorizar, chutar, provocar, amedrontar, cuspir, sacanear, tiranizar, humilhar, dominar, empurrar, ridicularizar, ferir, discriminar, isolar e excluir fazem parte da rotina de, aproximadamente, 40% crianças brasileiras, que possuem sobrepeso ou obesidade e são vítimas de bullying. O assunto foi abordado no simpósio “Repercussões psicológicas da obesidade na infância”, ministrado pela psicóloga, Carla João Nogueira de Almeida, no XXIII Congresso Brasileiro de Nutrologia da ABRAN. 

A obesidade infantil é um dos mais sérios desafios de saúde pública do século. No Brasil, um em cada cinco estudantes apresenta sobrepeso ou obesidade. Crianças obesas têm prejuízos significativos no funcionamento físico, escolar, social e emocional. Uma pesquisa desenvolvida no Brasil apontou que crianças obesas e com sobrepeso apresentaram redução de 21% na qualidade de vida no âmbito social em relação às crianças não obesas.

“Um dado alarmante é que o estudo, Findings from the National Education Association’s Nationwide Study of Bullying, feito com 1.555 crianças e 5.064 professores e educadores, aponta que quanto maior o Índice de Massa Corporal (IMC), maior a probabilidade dessa criança ser vítima de bullying. O que agrava a situação é que dos entrevistados que sofreram bullying o tempo da vitimização se estendeu por mais de 5 anos”, declara a psicóloga. 

Segundo a especialista, desde cedo, as crianças atribuem estereótipos negativos à criança obesa. “Há estudos que comprovam claramente a atribuição social de aspectos cognitivos positivos na magreza e negativo nos indivíduos de peso corporal maior”.

A estigmatização de pessoas com obesidade é generalizada socialmente e pode causar muitos danos a quem sofre com a doença. O estereótipo do indivíduo com excesso de peso preguiçoso, lento e sem motivação é frequentemente propagado e tolerado. Há equivocadamente a crença de que o estigma e a vergonha motivarão as pessoas a perderem peso, como se fosse apenas uma questão de boa vontade. O que ocorre, no entanto, é o efeito rebote. Essa retaliação moral não provoca mudanças positivas. Ao contrário, o estigma contribui para incitar comportamentos como compulsão alimentar, isolamento social, restrição a tratamentos médicos, diminuição da atividade física e aumento do ganho de peso, que pioram ainda mais o quadro de obesidade e criam barreiras adicionais à mudança de comportamento saudável.
Na pré-escola as crianças já começam atribuir estereótipos negativos a pares com tamanhos corporais maiores. Na escola primária, estereótipos negativos, baseados no peso são comuns. 
De acordo os dados do Ministério da Saúde: a obesidade atinge 13% dos meninos e 10% das meninas de 0 a 17 anos no Brasil. 

“É um ciclo de falta de apoio. Muitas vezes os pais, professores e médicos não conseguem entender que por trás da obesidade existe um ser humano em sofrimento e que outras questões estão associadas à doença”. Carla ainda ressalta a importância da abordagem multidisciplinar para identificar as possíveis causas e em conjunto estabelecer uma abordagem terapêutica compatível com as necessidades de cada criança.

Apesar de muitos profissionais de saúde buscarem estratégias e recursos eficazes para lidar com a epidemia da obesidade, muitas vezes já estão contaminados pelo estereótipo negativo do obeso. Então, como mudar esse cenário? Estudos recentes apontam recomendações no sentido de: melhorar o cenário clínico; modelar as práticas de comportamento e linguagem adequadas para abordar o tema; ser empático ao receber as crianças, jovens e suas famílias; averiguar se o paciente está passando ou passou por alguma situação discriminatória em virtude da obesidade e treinar os profissionais de saúde continuadamente para acolher sem julgamentos prévios.

Relatório da ONU

O relatório Situação Mundial da Infância 2019: Crianças, alimentação e nutrição [The State of the World’s Children 2019: Children, food and nutrition, aponta que, pelo menos, uma em cada três crianças com menos de 5 anos – cerca de 250 milhões – está desnutrida ou com sobrepeso. 

O Brasil tem aumentado progressivamente o consumo de alimentos ultraprocessados (alimentos com baixo valor nutricional e ricos em gorduras, sódio e açúcares) e a prevalência de sobrepeso e obesidade no país. Uma em cada três crianças de 5 a 9 anos possui excesso de peso, 17,1% dos adolescentes estão com sobrepeso e 8,4% são obesos. Apesar da Política Nacional de Alimentação Escolar, a escola ainda é considerada um ambiente obesogênico, com lanches de baixo teor de nutrientes e alto teor de açúcar, gordura e sódio.


O relatório também mostra, por exemplo, que 42% dos adolescentes em idade escolar em países de baixa e média renda consomem refrigerantes com açúcar pelo menos uma vez por dia e 46% comem fast-food pelo menos uma vez por semana. Essas taxas sobem para 62% e 49%, respectivamente, para adolescentes em países de renda alta.

Como resultado, os níveis de sobrepeso e obesidade na infância e adolescência estão aumentando em todo o mundo. De 2000 a 2016, a proporção de crianças e adolescentes com excesso de peso entre 5 e 19 anos praticamente dobrou, passando de um em dez para quase um em cinco. Dez vezes mais meninas e 12 vezes mais meninos nessa faixa etária sofrem de obesidade hoje quando comparados a 1975. “A participação da família é fundamental dentro do contexto do desenvolvimento desses hábitos, que começam na infância, com os exemplos dentro de casa. Uma criança obesa, tem 66% de chance de se tornar um adulto obeso, por isso o assunto é tão importante”, avalia o médico nutrólogo e presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), Durval Ribas Filho. 

Bio

Carla Cristina João Nogueira de Almeida cursou Psicologia e Direito na Universidade de Ribeirão Preto. Atualmente exerce a função de Psicóloga Clínica com abordagem em psicoterapia psicanalítica, de crianças, adolescentes e adultos.   


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